CAROL QUEEN

A rainha do sexo

Esqueça tudo o que você acha que sabe sobre uma pesquisadora e autora de livros na área da sexualidade. PhD em sexualidade humana, autora, editora, socióloga, sexóloga e educadora ativa no movimento feminista sex-positive nos Estados Unidos, Carol Queen é, ao mesmo tempo, uma das mais importantes ativistas na causa pelos direitos da comunidade queer e dos profissionais do sexo – trabalho que desenvolve desde os anos 1970 – e uma figura que resolveu fazer do conhecimento que adquiriu uma alça de acesso a todos, em vez de se enclausurar em uma redoma acadêmica. Ainda durante a década de 1970, foi responsável pela inclusão dos indivíduos bissexuais, como uma identidade positiva, dentro da sigla LGBT. Publicou, entre outros títulos, Real Girl Live Nude: Chronicles of Sex-Positive Culture e The Leather Daddy and the Femme (romance erótico – área da qual é uma renomada autora). Assinou também o tutorial Exhibitionism for the Shy: Show Off, Dress Up and Talk Hot, produziu filmes adultos, participou de eventos, workshops e palestras no mundo todo, além de ser editora de diversas compilações e antologias. A especialista fala com frequência sobre cultura sexo-positiva e diversidade sexual em universidades e conferências internacionais. É cofundadora do Center for Sex and Culture (em São Francisco) e trabalha como sexóloga na Good Vibrations, sex shop fundada por feministas. Durante a 1ª Conferência Internacional [SSEX BBOX] & Mix Brasil, foi plateia atenta e convidada das mesas “Conexão São Paulo – Bay Area” e “Para Lá do Binarismo” e palestrante solo no painel “A História e o Futuro da Identidade Queer”.

A seguir, trechos das falas da Dra. Carol Queen:

Anos incríveis

“Tenho estado envolvida com o universo da sexualidade nos Estados Unidos desde 1970. Assumi minha bissexualidade em 1973 e desde então já testemunhei muitas mudanças. Mudei para São Francisco em 1985 – ou seja, no ápice da epidemia da aids, que provocou, por sua vez, muitas mudanças. A comunidade que se criou em torno da sexualidade e da diversidade de gêneros data dessa época, quando surgiu um ambiente incrível para o ativismo. Foram anos horríveis e ao mesmo tempo incríveis.”

Ocupação diária

“Eu também trabalho numa sex shop chamada Good Vibrations – minha ocupação diária já há 25 anos. O Center for Sex and Culture é um trabalho de caráter voluntário, movido pelo amor. E o mundo que eu exploro na Good Vibrations está ligado a duas coisas: às pessoas de todas as orientações, todos os estilos de vida no que diz respeito à sexualidade, e ao desejo – desde brinquedos sexuais, livros, vídeos. Tornou-se um lugar onde essas pessoas, tão diferentes umas das outras, encontram um ponto de convergência de seus interesses. Isso é muito importante para mim.”

Sexo não é simples…

“Eu nunca consegui ser uma pessoa que se enquadrasse em uma classificação – sobretudo quando falamos de orientação sexual. Isso sempre foi impossível para mim. Sou bissexual desde 1973 e, nos anos de 1970, se você fosse bissexual não conseguia encontrar uma namorada em lugar nenhum! Era terrível. Então, por dez anos eu me identifiquei como lésbica, embora sempre tivesse entendido que havia algo em mim que estava escondido. Eu não sabia se iria amar um homem novamente algum dia, mas era algo que abrigava um ‘talvez’. E mesmo havendo uma comunidade, esse ambiente que estávamos criando, abrir espaços para aqueles que não eram heterossexuais, não se encaixavam na ordem heteronormativa, não eram cisgêneros, parecia muito difícil. Havia sempre a sensação de não pertencimento. É por isso que meu ímpeto mais importante, como ativista, é contribuir para a discussão sobre sexo e sexualidade, tornar o sexo algo conhecido, compreendido em sua complexidade. O sexo não é simples. Qualquer pessoa que tenta simplificá-lo, invariavelmente, vai excluir muitas pessoas. Além disso, sempre foi crucial para mim ajudar a abrir caminho para a diversidade, lutar pelo respeito que qualquer um de nós merece. Isso para que nenhum de nós se sinta sozinho – especialmente, neste caso, no que diz respeito à orientação sexual ou identidade de gênero. Sabemos que se tratam de duas coisas diferentes uma da outra, mas é claro que elas estão ligadas.”

Mas também não precisa ser difícil

“O sexo é visto como algo que é para ser natural. Uma visão que leva as pessoas a pensarem que você não tem nada a aprender sobre isso, que é algo que simplesmente acontece. Quando a educação sexual é priorizada, ela fornece alguns fatos sobre sexualidade e abre mais espaço para sentir, para perceber, que alguma coisa não está certa. E as pessoas que se deparam com um problema sexual não conseguem se diagnosticar, não conseguem entender o que deu errado. Uns pensam que o problema é consigo, outros pensam que é com o parceiro. Mas seja qual for o problema, o que se detecta é uma certa lacuna de entendimento de ambos os lados e uma inabilidade para se comunicar. A ideia de que somos iguais – todas as mulheres são iguais, os homens são todos iguais – não é verdadeira. A noção de que cada um de nós talvez não esteja certo em nossas noções de sexualidade faz parte de um processo de desprender o que sabíamos para aprender o que, de fato, é verdade para nós. Então, quando digo que sexo não é algo simples, claro que não estou ignorando algumas pessoas, em alguns contextos, para quem o sexo é algo lindamente simples, mas quando pensamos em todo o enorme guarda-chuva da sexualidade, nós não temos informações suficientes para que o sexo seja simples.”

Sobre o Center for Sex and Culture

“Quando criamos o centro, o maior esforço era oferecer um lugar onde todos podiam se sentir bem-vindos. Um espaço onde você encontra livros sobre todos os assuntos ligados à sexualidade. E quando você começa a adentrar o universo desse tipo de literatura, você se depara com muita porcaria. Na época, há 15 anos, esse era um tema não muito bem compreendido, e os interessados em pesquisá-lo não encontravam apoio ou respeito por parte de psicólogos ou do governo. Ainda hoje isso é uma luta. Imagino que possamos traçar paralelos com a realidade brasileira nesse sentido, não acredito que esse seja um problema exclusivamente americano. E é importante perceber como, em muitos lugares – Estados Unidos, Brasil e muitos outros –, as vozes estão se levantando. É a isso que me refiro quando falo da cultura do ‘faça você mesmo’. É a própria comunidade que pode unir a comunidade, buscando as similaridades, agindo com honestidade e encarando as complexidades ligadas a todas essas questões. No meu entendimento, criar cada vez mais espaços para esse movimento é o trabalho mais importante de um ativista – ao menos, eu considero essa a minha função mais importante como militante e como escritora. Quando escrevo, o que eu espero é que meus textos reflitam essa postura. E dentro disso, eu vejo essa conferência, e o trabalho do SSEX BBOX no geral, como exemplos desse ‘faça você mesmo’.”

Queer

“Não sou uma pessoa trans, mas também não posso dizer que me sinto 100% cis. Em meados dos anos de 1990, eu publiquei um livro, juntamente com um jovem homem gay, Lawrence Schimel, chamado PoMoSexuals: Challenging Assumptions About Gender and Sexuality. Nessa obra, nós apresentamos conceitos que fazem frente a ideias essencialistas no que concerne a sexo e sexualidade. PoMo é uma contração do termo pós-moderno e a ideia era dar voz às pessoas que eu conhecia, e outras que eu tinha ouvido falar, que se definiam como queer, sentindo os efeitos dessa fluidez, vivendo numa comunidade binária onde você ou é macho ou fêmea, gay ou hétero. São pessoas que não se sentem completamente homem ou completamente mulher, pessoas sem um lugar onde se sentirem respeitados, onde pudessem ser elas mesmas. Acho que esse é o coração da ideia do gender queer”.

Afetividade à brasileira

“Não fui a nenhum bar ou festa, então não tenho essa perspectiva da sexualidade e dos corpos em ambientes como esse. Mas o que eu senti foi uma abertura imediata para a afetividade, e também uma abertura para contar histórias pessoais. Algumas pessoas nos Estados Unidos não teriam tanto essa abertura, assim, de pronto. Muitas iriam primeiro tentar entender sua relação com o outro antes de dizer algo pessoal. Eu posso dizer que percebi um senso de que estamos todos juntos no processo dessa conferência – seja aqui seja no hostel, entre as pessoas que se hospedaram”.

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