“Precisei me tornar um homem para aceitar minha vagina”
MARCIA ROCHA -Ao cumprimentar Buck Angel após sua palestra
“É impressionante o quanto somos opostos e o quanto somos iguais”
JOÃO W. NERY, Escritor e homem trans
“Buck Angel tem orgulho de ser um homem com vagina. Eu tenho orgulho de ser um homem sem pênis. Mas estamos total de acordo, nossos discursos batem legal”.
“As masculinidades são várias”
“Muitos trans homens são gays, muitos são bissexuais. Eu sou hétero”
FE, Professor
“O que mais me marcou aqui foi a ver a possibilidade de que nós nos vejamos realmente como uma comunidade. Claro que é importante termos em mente a questão dos marcadores sociais, mas esses não devem nos separar, mas sim criarem empatia, para que possamos lutar juntos pelos nossos direitos. E dentro disso, acho importante falar sobre a importância de valorizar os aliados. Digo isso, porque algumas discussões que vi aqui me fizeram lembrar de uma vez em que, numa discussão com uma pessoa que tinha uma opinião contrária que a minha, eu me enervei tanto que cheguei a cuspir cerveja no tênis do cara – ao invés de continuar mantendo a didática. Claro que tem vezes que não dá, mas eu fiquei pensando em como, na verdade, o melhor caminho é continuar mantendo a paciência para prosseguir com o discurso. Outro ponto foi conseguir ver a representatividade da não binaridade aqui. O que foi muito legal, porque eu tinha uma certa noção de que as pessoas não binárias estavam se colocando no mesmo patamar de transfobia, e são preconceitos diferentes. Eu tinha uma certa empatia por entender que existem certas inquietações parecidas. Foi incrível ver aqui pessoas falando que têm consciência de que a passabilidade cis lhes dá privilégios, sem que isso as deixasse acuadas. Elas podem usar essa autocrítica para se desconstruir mesmo, para terem em conta esse privilégio e lutarem ao lado outras das outras. Isso me deu até uma certa esperança de que a gente possa vir a criar uma mitologia brasileira para a não binaridade. Eu não sei como isso pode ser feito, mas isso me deixa com uma certa inspiração para ter ideias com relação a isso. A única coisa que me incomodou foi a invisibilidade da bissexualidade – eu não senti que foi muito bem representada. Mas não é uma crítica destrutiva, é uma sugestão para que isso aconteça da próxima vez. Porque são pessoas que não se sentem muito conformes nem entre gays nem entre lésbicas, mas também nem entre os héteros, por conta de um certo preconceito contra o que seria uma ‘sexualidade indecisa’. Outra coisa foi o que o Buck falou sobre a questão do sexo como algo empoderador e libertador também. Isso é algo que eu ainda estou digerindo, mas que vou levar para fora daqui”
INGRID, Videomaker que registrou a conferência
“Essa experiência me mudou muito. Eu ouvi muito – até por fazer o som também, preciso estar atenta a tudo. Cheguei aqui com muitas confusões a respeito de nomenclaturas, leis, com muita curiosidade sobre esse mundo no qual eu nunca tinha entrado, do qual nunca tinha participado. E essa conferência me mostrou como as pessoas têm ainda uma dificuldade muito primordial, que é a de serem reconhecidas como seres humanos. Eu nem dormi direito durante essa semana, porque tive sonhos com essas questões, de tanto que isso mexeu com meu subconsciente de uma forma tão forte, tão violenta, que se transformou em sonhos com imagens muito fortes. Eu sou uma mulher cis, branca, nunca tive nenhuma relação homossexual, mas percebi que dentro de mim existe a vontade de experienciar o masculino, experimentar o que é ficar no lugar de uma pessoa de outro sexo, porque isso é o ser humano. Eu não quero ofender ninguém, mas as pessoas que são hétero, todo mundo, têm isso dentro de si. Lá no subconsciente, lá no fundo, a gente na verdade tem tudo isso dentro de nós mesmos. Foi com os meus sonhos que eu percebi o quanto isso é forte em mim. E o que é mágico desse espaço é a gente poder se tratar como pessoas e não como títulos – homem, mulher ou o que seja. Nós somos pessoas. Eu disse que entrei confusa, mas estou saindo mais confusa ainda, estou com uma confusão de identidade violenta, e isso é maravilhoso”
VIVIAN, Estudante de jornalismo e mulher trans
“Apesar de a gente ter contado aqui com um espaço bastante confortável, eu já participei de outras rodas de conversas e encontros, e muitas das pessoas que encontrei nesses lugares não estiveram aqui – ao menos eu não as vi. Além disso, acho que um ponto que talvez precisasse de mais ênfase diz respeito às crianças transexuais. O Buck colocou um pouco da experiência dele, o João Nery também citou um pouco disso, mas acho que vale eu contar um pouco da minha experiência, porque acho esse um debate necessário. Eu contei para os meus pais há uns três anos, quando eu comecei a minha transição. Eles me perguntam porque eu não contei antes. E estranho porque imagine uma criança que cresce num mundo onde, na escola, as aulas de biologia mostram o homem e a mulher. A única exceção a isso está na genética, por exemplo, onde a gente fala em anomalias – Síndrome de Klinefelter, Síndrome de Turner –, mas nunca se fala em transexualidade. A pressão sobre essas crianças é inimaginável, ela não tem como se expressar. Eu me sentia como mulher já antes dos seis anos, se eu fosse explicar para os meus pais, eu não iria ser levada a sério. Porque o discurso das crianças não é considerado. Não há discussão na escola sobre transexualidade. Enfim, acaba-se cobrando da criança uma resposta que ela não tem. No meu caso, a saída foi partir para a fantasia, era onde eu vivia. Até que você vai crescendo, no meu caso eu acabei me isolando bastante das pessoas. Eu descobri que existiam tratamento hormonais para bloquear a puberdade – inclusive para menores de idade, mas não aqui no Brasil – por meio de uma reportagem da revista Veja em 2004 – numa matéria que, a meu ver, não tratou o assunto da forma que poderia. Eu tinha 14 anos. De qualquer forma, foi a primeira vez que eu me deparei com a palavra transexualidade sendo tratada com alguma dignidade. Porque, até então, eu só via esse termo circulando como chacota nos programas de fofoca que minha avó assistia à tarde em casa. Mas ao mesmo tempo em que eu descobri que o anseio de alterar meu corpo era possível, eu descobri também que uma parte informada da sociedade me via como uma doente. Por isso uso esse momento para ressaltar que a questão das crianças sexuais precisa ser mais discutida. E não somente no que diz respeito às crianças, mas também de pessoas que são diagnosticadas como esquizofrênicas, borderline, bipolaridade, uma parcela que também tem dificuldade para ter acesso a essas cirurgias e tratamentos”
MAGÔ TONHON, Voluntária que atuou na produção da conferência
“Eu tenho certeza que haverá uma próxima conferência porque, na verdade, ela já existe. Ao menos virtualmente. E tudo o que existe na matéria um dia foi sonhado. Então é importante idealizar também. Eu falo de um lugar muito específico que é o de uma pessoa que ajudou, contribuiu, colaborou, para produzir essa conferência. É muito importante o exemplo de onde eu falo para, inclusive, justificar minha própria fala. Toda vez que que alguém nos diz algo, essa pessoa está esperando ser ouvida. E a gente tem uma mania muito problemática que é sempre esperar o nosso momento de falar só para falar depois. Essa conferência, a meu ver, aponta para um público com características de multiplicidade, inclusive cultural, e absurdamente diverso. E, sobretudo, pessoas carentes de um lugar de fala, carentes de microfone mesmo. Eu vi muitos relatos pessoais, por exemplo. O que demonstra como essas pessoas têm essa carência. A fala das pessoas é muito importante, mas a gente precisa aprender um pouco a ouvir mais – e, sobretudo, a compreender. E se não compreender, não achar que já compreendeu. Pergunte novamente. A gente tende a idealizar as coisas, mas na prática tudo pode mudar. As dinâmicas mais orgânicas acabam sendo absorvidas e algumas práticas acabam mudando. O que eu sonho para a próxima conferência é que até lá – nós temos um ano –, nós possamos pensar, e repensar continuamente, a respeito da importância da escuta atenta. Porque se, enquanto você fala, eu apenas estiver esperando o meu momento de falar, eu não estou ouvindo o que você falou. Isso foi muito rico na fala de todas as pessoas, porque o discurso e a narrativa foram sendo permeados organicamente pelas respostas. O que eu levo comigo é, sobretudo, o exercício de ouvir. Cito aqui uma coisa que minha avó dizia muito, que era assim: não é à toa que a gente tem dois ouvidos e uma boca, então ouça mais e fale menos. E eu sei que isso é muito difícil, principalmente quando a gente está num lugar onde as pessoas estão justamente querendo nos ouvir, vindos de uma realidade onde a gente não tem voz, onde nossas demandas não são respeitadas, onde lidamos cotidianamente com pessoas que não nos entendem, que partem sempre de um pressuposto do que é certo e do que é errado”